junho 18, 2010

Old texts 3

Mais um dos desafios literários que eu tinha com os meus amigos.
Desta vez, a intenção era reescrever uma cena de Matrix. De qualquer filme da trilogia. Eu escolhi a cena do Reloaded, onde Neo encontra o Arquiteto...

... mas não é o Neo. ;)


FIM DA PROFECIA
A porta era feita de luz, exatamente como em seus sonhos.

As coisas eram cada vez mais diferentes. Primeiro, a ressurreição. Depois, o vôo e a velocidade. Fazia coisas que antes julgava impossíveis em um mundo de mentira. A última habilidade era a Visão. Sentia-se como estivesse olhando para o mundo sem tempo – percebia passado, presente e futuro da mesma forma, como se fossem partes do mesmo cenário. Como casas vizinhas na mesma rua.

E a porta de luz que ele já havia visto estava em sua frente agora. Era a última visão que tivera, a última que julgava ser do futuro. Após dessa, mais nenhuma havia aparecido, só um nome ressoava em sua mente. O porquê desse nome não sabia.
Quando ele abriu a porta, a luz lentamente o encobriu. Sentiu-se como fluindo em código, quase como quando saia da Matrix de volta à nave. Por um instante ficou cego, mesmo com os óculos escuros bem negros. Quando a visão retornou, estava em uma sala fechada, e diferente de tudo que conhecera até então.

O teto e o chão eram do branco mais límpido que já vira. Branco puro e cegante, mais alvo do que os picos nevados das mais altas montanhas. As paredes formavam um círculo, forrado de telas de televisores do chão ao teto; uma circunferência de três metros de raio, e cerca de três de altura. Se o teto e o chão não fossem retos, talvez a sala fosse uma esfera perfeita. Todas as imagens dos monitores o refletiam, como um espelho televisionado, como quando captam uma imagem ao vivo.

E claro, no meio da sala, lá estava ele.

Sentado em uma poltrona ergométrica, o senhor lhe olhava. Perturbador, seus olhos não tinham a raiva fria, ou o nojo comedido que ele esperava. Havia apenas análise; a mais súbita indiferença. Tinha barba e cabelos brancos bem aparados, e nem uma linha fora do lugar ou mesmo um pêlo solto em seu terno cinza de três peças. Alinhado perfeitamente e repousando, lá estava ele.

O Arquiteto.

- Ola, Proteus – A voz era de um barítono inalterado, mono-sonora.
- Quem é você?
- Eu sou o Arquiteto. Eu criei a Matrix. Eu esperava por você. Você tem muitas questões, e embora o processo tenha alterado sua consciência, você continua irrevogavelmente humano. Logo, algumas de minhas respostas você entenderá, e algumas não. Em consonância, enquanto sua primeira questão possa ser a mais pertinente, você pode ou não perceber que ela também é irrelevante.
- Porque eu estou aqui?
- Sua vida é a soma de uma sobra de uma equação desbalanceada inerente à programação da Matrix. Você é a eventualidade de uma anomalia, a qual a despeito de meus esforços sinceros fui incapaz de eliminar daquilo que seria então uma harmonia da precisão matemática. Enquanto ela continua a ser um fardo assiduamente evitado, ela não é inesperada, e assim não está além de uma medida de controle. O que o trouxe, inexoravelmente, aqui.
- Você não respondeu minha pergunta; Proteus disse.
- Bem acertado. Interessante. Isso foi mais rápido do que os outros.

Os monitores começam nessa hora a mostrar Proteus, mas tomando atitudes diferentes daquele que seria o real, que está no meio da sala, assistindo. Eles dizem: “Outros? Que outros? Quantos? Me responda!”. O escolhido não pode dizer se são as respostas das versões anteriores ou suas prováveis atitudes. Com certeza, esse Arquiteto sabia jogar bem. E que, como se previsse a dúvida em Proteus, continuava:

- A Matrix é mais velha do que você sabe. Eu prefiro contar da emergência de uma anomalia integral até a emergência da próxima. Sendo nesse caso esta a quinta versão.

Novamente, os monitores falavam. “Quatro versões? Duas? Mentiram pra mim! Isso é besteira!”. Ignorando as imagens, o escolhido falou por si:
- Só existem duas explicações possíveis: Ou ninguém me disse, ou ninguém sabe.

- Precisamente – o Arquiteto continuou – Como você está indubitavelmente coletando, a anomalia é sistêmica, criando flutuações mesmo nas equações mais simplistas.

Mais uma vez as repostas apareciam nos televisores: “Você não pode me controlar! Foda-se! Eu vou matar você! Você não pode me forçar a nada!”
- Escolha. O problema é escolha – Proteus disse.

- A primeira Matrix que eu desenhei era obviamente perfeita, era uma obra de arte, sem falhas, sublime. Um triunfo igualado somente pelo seu fracasso monumental. A inevitabilidade de sua sina é aparente para mim agora como conseqüência da imperfeição inerente em todo ser humano; então eu a redesenhei baseada na sua história para refletir com mais acuidade as grotescas variantes de sua natureza. No entanto, fui novamente frustrado pela falha. Eu vim então a perceber que a reposta me iludia porque requeria uma mente inferior, ou talvez uma mente menos ligada aos parâmetros da perfeição... Assim, a resposta foi encontrada por outro, um programa intuitivo, inicialmente criado para investigar certos aspectos da psique humana. Se eu sou o pai da Matrix, ela seria sem dúvida sua mãe.
- A Oráculo.
- Por favor… Como eu dizia, ela esbarrou numa solução aonde quase 99,9% de todas as cobaias aceitavam o programa, desde que lhes fossem dadas à escolha, mesmo se eles fossem cientes da escolha em um nível quase inconsciente. Enquanto a resposta funcionou, ela é fundamentalmente falha, assim criando a contraditória anomalia sistêmica, que se deixada sem checagem poderia ameaçar o próprio sistema. Logo, aqueles que recusavam o programa, enquanto uma minoria, se não checados, constituiriam uma probabilidade escalante de desastre.
- Isso é sobre Zion.
- Você está aqui porque Zion está para ser destruída. Cada habitante dela exterminado, toda sua existência erradicada.
- Porra nenhuma! – mesmo num ímpeto, nenhuma outra resposta vinha à mente de Proteus. E ao que parece a nenhuma de suas cópias, sendo que os monitores repetiram a frase em uníssono: “Porra nenhuma!”

- A negação é a mais previsível de todas as respostas humanas. Mas, esteja seguro, está será a quinta vez que nós a destruímos, e nós nos tornamos excessivamente eficientes nisto.
A voz agora adquiria um leve tom de ameaça.

- A função do Escolhido é agora retornar à Fonte permitindo a disseminação temporária do código que você carrega, reinserido no programa piloto. Depois do qual lhe será requerido que escolha 23 indivíduos – 16 fêmeas e 7 machos – para reconstruir Zion. Falha no cumprimento deste processo resultará num cataclísmico crash sistemático, matando a todos conectados a Matrix, que pareado com o extermínio de Zion, irá resultar finalmente na extinção de toda raça humana.
- Você não deixará isso acontecer, você não pode. Você precisa de seres humanos para sobreviver – o tom de desespero na voz de Proteus era quase palpável.
- Existem níveis de sobrevivência que estamos preparados para aceitar. – o tom de voz do Arquiteto era cada vez mais sóbrio, deixando clara a inevitabilidade do tópico – No entanto, o assunto relevante e se você está ou não está pronto para aceitar a responsabilidade pela morte de cada ser humano neste mundo.
Apertando então um botão na caneta que segurava, o Arquiteto dá inicio a uma filmagem de milhões de pessoas, todas aparecendo por alguns segundos nas telas da sala, em fatos cotidianos. São pessoas lavando carros. Brincando com seus filhos. Nadando. Em festas de aniversários. Bebendo com os amigos. Proteus só pode olhar para os monitores, sentindo uma angústia crescente.

- É interessante ler suas reações. Seus quatro predecessores foram designados tendo em base em um predicado similar, uma afirmação contingente que foi feita para criar um apego profundo ao resto de sua espécie, facilitando a função do Escolhido. E você experimenta isso da mesma forma do que eles, só que ligando os sentimentos a uma forma mais específica. Vis-à-vis, esperança.
-O que nos trás finalmente ao momento da verdade, aonde a falha fundamental é derradeiramente expressada, e a anomalia é revelada tanto como inicio como fim. Existem duas portas. A porta a sua esquerda leva à Fonte, e a salvação de Zion. A porta à sua esquerda leva de volta à Matrix, de volta à luta, e para o fim de sua espécie.
- Como você adequadamente colocou, o problema é escolha – finalizava o Arquiteto.

Proteus continuava parado, como se o sopro da vida lhe tivesse saído dos pulmões pelo murro de uma grande mão lhe acertando a boca do estômago.
- Mas nós já sabemos o que você vai fazer, não sabemos? Já posso ver a reação em cadeia, os precursores químicos que sinalizam a chegada da emoção, designada especificamente para sobrepujar a lógica e a razão. Uma emoção que já o está cegando da simples e óbvia verdade: Zion não irá sobreviver se você voltar a Matrix, e não há nada que você possa fazer para que isso finde.

Proteus começa lentamente a andar para a porta em sua direita. Sente-se derrotado, mas um brilho ainda resta nele. No meio do caminho, Proteus se vira para o arquiteto e pergunta:
- E a esperança?
- Humpf. Esperança. É a ilusão quintessencialmente humana, simultaneamente a fonte de suas maiores forças e maiores fraquezas.
- Se eu fosse você, eu esperaria que eu não fosse o último.
- Você não será.

Proteus abriu então a porta que levaria de volta a Zion. Escolheria 23 pessoas. E agora sabia o significado das verdadeiras palavras da última profecia da Oráculo. Ela havia dito que o potencial que havia nele sempre viveria. E não importando o que escolhesse, a raça humana seria livre. E então não ficou triste ou mesmo mórbido. Simplesmente resignou-se ao fato de que ainda não era à hora da libertação. Assim, quando ficou velho e sem poderes, pediu que seu neto falasse a seu neto sobre um homem chamado Morpheus, assim como sonhara anos antes, junto com a porta de luz. Que papel teria esse homem ele não sabia, mas tinha esperança que a sua última visão do futuro fosse de melhores presságios.

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