novembro 22, 2013

Desapegando do apego

Eu tenho dificuldade em me desapegar das coisas. Eu sempre suspeitei disso, mas hoje eu tive a confirmação.

Fiquei mais uma madrugada acordado, fazendo o que eu sempre faço quando estou entre freelas ou simplesmente não preciso acordar cedo. E entre as coisas que eu faço está um dos meus esportes favoritos: pensar na vida. No que foi, no que será, no que podia ter sido. Como eu seria e o que eu faria ao ganhar o prêmio máximo da mega sena. Quando meus filhos nascerem. Se eu escrevesse um livro. Qualquer coisa. A madrugada amplia as minhas viagens, e acho que sempre foi assim, desde que eu era menininho.

E nessa madrugada, juntos dos meus pensamentos perambulantes, eu achei uma coisa que era do meu avô. Um pincel para se barbear, com o cabo de plástico branco imitando madrepérola, e com um restinho bem ralinho dos pelos de castor que pincelavam a espuma no rosto. Meu vô usou esse mesmo pincel por muitos anos, até dá-lo para meu pai. Meu pai o usou por mais de duas décadas, antes de dá-lo para mim e meu irmão. Nós dois fizemos barba com esse pincel. Mas hoje, mais velhinho do que eu, prefiro deixá-lo guardado e não usá-lo mais. Tenho dó.

E ao guardá-lo novamente, eu vi que eu tenho muitos desses itens, com mais ou menos importância. Eu tenho um abridor de garrafas que minha mãe me trouxe de Paris, que nunca foi usado por ciúmes. Eu tenho um adesivo da Millenium Falcon, presente da minha irmã lá da sua viagem para Disney, que eu jurei que ia colar no meu carro e nunca o fiz. E quando eu trocasse de carro, como descolar? E pra quê sujar o adesivo? Eu ainda tenho montes e montes de gibis guardados, mesmo aqueles que não são de estimação (como são Preacher e Watchmen), simplesmente ocupando espaço. Tenho dó de doá-los.

Será assim também com nossas memórias, nossos amores perdidos, nossas experiências, nossas fotos velhas? As guardamos num baú fundo, ocupando um bom espaço das coisas novas, só porque temos apego, ou medo de jogar afora alguma coisa que um dia foi valiosa?

E de onde vem esse medo? É um sinal para não se desfazer de algo? Talvez um sinal da minha própria pequenez ao ter dó de jogar uma fronha que uma ex-namorada me deu - e eu nem mesmo nunca usei, com medo de estragar! É o paradoxo dos paradoxos: eu nunca usei o presente para não estragar, e guardo uma coisa que nunca usei por anos, porque ela me é importante. Mas se fosse importante, não era pra eu ter usado, caceta?

Não sei. Só sei que nada sei. Só sei que hoje, ao olhar esse montão de coisas no meu armário, me deu vontade de jogar tudo fora. De guardar menos de um décimo de tudo, numa pequena caixinha que não me ocupe espaço. Pra quê esse monte de foto se os momentos estão gravados à fogo na minha memória? Já não me bastam as fotos virtuais, cada vez mais numerosas, um número impossível de ser visto por qualquer pessoa que não eu, na minha eterna vaidade?

Já não me bastam os anos ótimos e ruins com as pessoas que um dia eu amei, cuja passagem pela minha vida me mudaram para sempre? Eu ainda tenho mesmo que guardar uma fronha, uma carta com batom, aquela camiseta dada e que eu nunca gostei? Até hoje, mesmo que inconscientemente, eu achava que sim. Depois de analisar tudo, olhando pelo prisma daquele pincelzinho de barba que passou pelas faces de três gerações de homens da minha família, tenho certeza que não. ISSO é importante. Uma camisa velha de um natal esquecido, um presente de amigo secreto que nunca serviu, não é.

Eu sempre digo que tenho uma memória quase eidética para filmes porque eu acho que o cinema se registra na minha mente à nível emocional; todo e qualquer filme me toca de alguma maneira, e eu acho que Hollywood tem um pedacinho da minha alma, só pode. Esses itens velhos passam pelo mesmo crivo: se é importante, ou foi importante, ficam guardadinhos em segurança. Se é algo que não me importa, logo me esqueço.

Mas desapegar das coisas importantes também é igualmente importante, redundâncias à parte. É reconhecer o que é, o que foi, e o que será. É vender o seu primeiro carro pois você comprou um melhor, e não tem espaço pra dois na garagem. É doar um jeans velho que não entra mais, quando comprar um maior. Renovação, sabe? É bom, e não precisa de nada importante na vida, um evento marcante. Pode ser simplesmente uma constatação na madrugada, um pensamento de meia hora, um texto de blog.

Qual é o meu ponto? Nenhum. Não tem ponto. Não dessa vez.

É só que chega a ser engraçado. . . A gente se desfazendo de coisas que eram importantes em um dia sem nenhuma importância. Talvez seja esse um dos sentidos da vida: a gente ir precisando cada vez menos de cada vez menos coisas, até uma hora em que a gente já não precisa de nada, e morre. Mas morre com tudo na memória, apegado a uma vida de coisas importantes e dias sem marcação, fotos tiradas com os olhos do primeiro cachorro, da festa de formatura, do nascimento do primeiro filho.

E morre sorrindo, feliz por ter passado aquele pincelzinho de barba pro seu neto, sabendo que ele não precisa daquilo para lembrar de você; mas que ele talvez precise daquilo pra se lembrar do que é importante e do que deve ir embora numa faxina de sexta-feira.

2 comentários:

Luke, I'm Your Mother! disse...

Bonito texto! Watchmen é melhor que Conan, a propósito! Rá!

Unknown disse...

Para se lembrar do que é do que foi e do que não foi. Usamos essas coisas por vários motivos e às vezes a gente esquece do que jurou lembrar e se lembra do que queria esquecer.

Não joque fotos fora. No máximo as digilize e coloque no G+. Assim não perde e de vez em quando pode lembrar de coisas que prometeu não esquecer.

Mas TEMOS que seguir em frente e desapegar faz parte. Na verdade nos apegamos a umas coosas tontas: um carro é só um carro, quando comprar outro vender faz parte. Misturamos nossos sentimentos em varias coisas e as fazemos importantes, mesmo sem serem