maio 01, 2010

Old texts

Texto que eu escrevi faz um tempão pros meus amigos, num desafio que faziamos por mail.
Vou postando aqui, pra ver ser se a escrita evoluiu, se ainda é uma merda, se por acaso ficou bom, ou melhor, ou se ficou velho... essas coisas.

Esse tinha um desafio: tinha que ser sobre reveillon, e ter um haiku incluido. Don't ask.


"O reveillon que se foda."

Seu Tanaka normalmente não tinha a boca suja, mas falou com todo gosto ao pensar naquilo tudo. Todo ano era a mesma coisa: Festejar o ano novo. Soltar rojões e balõezinhos. Beber champagne...

E pra que? Ano novo não é bem uma data única, e nem um ciclo novo. Ele era budista, então, nem mesmo o pessoal mais chegado comemorava a data que ele sentia que devia ser a certa - só aquela no inicio de Janeiro. E ainda contavam os anos todos errados; ainda estavam em dois mil e alguma coisa! Já estava farto disso. Afinal, vira mais anos-novos do que seu neto tinha de vida, e nenhum tinha nada de especial. Pra quê essa esbórnia toda numa madrugada só do ano, ainda mais quando a maioria trabalha no dia seguinte? Essa coisa de um ano que começa é bobagem; é de quem trabalha com dinheiro pra poder fechar o balanço. E mesmo assim era dispensável - conhecia empresas que fechavam o balanço já em Novembro.

Por isso decidiu passar o tal do reveillon sozinho, em sua casa. Nada de algazarra, roupa branca ou sete ondas, ficaria é vendo TV - aliás, aonde já se viu que pular sete ondas dava sorte? Se fosse assim, surfista tinha pé de coelho e ferradura ao invés do cabelo parafinado.

Dizem que os velhos são birrentos e sem paciência, e ele nunca acreditou nisso. Pelo contrário, achava que a idade trazia sabedoria, e a calma e placidez eram partes integrantes dela. Um conjunto. Mas nesse fim de ano estava mais amargo, mais cético. Brigou com a família que ia pra praia. Disse que pular ondas de noite fazia com que ele se sentisse um naufrágo à deriva de Okinawa, e que não ia. Inventou um trabalho extra, mesmo sendo aposentado, e fez manhas e bicos só pra ficar em casa. No fim, fez-se tão chato que os filhos e esposa não tiveram outra escolha a não ser abandoná-lo a própria sorte em casa, aventurando-se para o jantar de solteiro. Seu Tanaka não cozinhava mal ou era exigente com a comida, mas sua habilidade restringia-se a um único prato: Miojo. Fazia um miojo praticamente perfeito, sem nem olhar no relógio pra contar os 3 minutos. Mas era só isso. E comer miojo por 3 dias não parecia ser nada bom para ninguém - nem pro mala do Tanaka-san.

Mas seu Tanaka era teimoso e sabia disso. Estava disposto a passar o reveillon sozinho, e nem que tivesse que se empanturrar de miojo do dia 30 ao dia 2 ele desistiria.
Mas mesmo assim, pediu pizza por telefone quando anoiteceu.

Comendo, sentou-se à frente da TV e começou a prestar atenção. Era o show do Roberto Carlos na Globo. Suspirou, aborrecido, como se a familia tivesse feito praga. De novo esse show? Será que os caras da Globo não tinham criatividade? Todo reveillon é a mesma coisa, já não bastava a São Silvestre?! Essa, aliás, que lhe causava ânsias. Todo ano era aquele queniano maldito, Paul Tergat, subindo a Brigadeiro. As passadas de Tergat lhe faziam cansar ali no sofá. Suava mais que o negão que corria no sol, só de ver o esforço.
Irritado, desligou a televisão. Escutaria o rádio. Uma música suave e relaxante, para fazê-lo esquecer dos rojões, cada hora mais frequentes.

Foi até o canto da sala e irritou-se mais ainda. O rádio era novo, presente do seu filho. Uma dessas porcarias pequenininhas e prateadas, aonde o cara tem que ser bilíngue só pra mudar a estação. Perdeu 10 minutos tentando achar o maldito botão de liga, mas não achava. Procurou o botão "on", e não achou nada. Procurou também o "power", mas não tinha também. Seu Tanaka, vermelho, então mandou em voz alta o rádio tomar no cu, sem saber que hoje em dia pra ligá-lo, é só apertar o botão "source".


Desistiu da mídia em geral, sobrara pouca coisa pro velhinho. Um livro? Isso é coisa de quem tá doente e de cama. Jogo de gamão ou xadrez solitário? Só pra quem é honestíssimo, pois seu Tanaka roubava de sí mesmo e acabava com o jogo em 5 segundos. Um baralho pra jogar Paciência? Seu Tanaka estava é puto; paciência é o cacete.

Quando pensou no que podia fazer, não teve como não se lembrar da família. Se estivessem ali, o ajudariam com o rádio. Tirariam sarro juntos do Roberto Carlos e talvez até vissem o programa até o final. Que sabe teria animo para torcer pra que Paul Tergat quebrasse a perna e que assim um brasileiro ganhasse a maratona. Ficaria feliz em ver a felicidade nos outros, ao invés de ser velho sozinho no seu apartamento, comendo pizza fria no silêncio.


E só então que seu Tanaka percebeu a beleza e o verdadeiro significado do ano-novo. Não era pela data, nem pela importância. Era só uma justificativa que todo mundo precisava pra renovar os votos, dar abraços e festejar que afinal, continuavam vivos. Pediam por mais paz e saúde, sem esquecer o trabalho. Um dia de renovação de fé. E de passar com a familia.

Deprimido, olhou no relógio. Era meia-noite e dez. Passara o ano-novo sozinho e xingando eletrodomésticos. Resolveu dormir logo, para que a familia chegasse mais cedo. Mas antes, sentou-se e escreveu um haiku. Um poema, que o budismo lhe ensinou, de forma a fazer suas preces. Sempre escrevia e os queimava, para que as palavras subissem com a fumaça. O do ano-novo
era esse:

"O silêncio
do nosso interior
é revelador"

Olhou o que tinha escrito e pensou. Então queimou o papel e foi dormir. Seu Tanaka teve um reveillon amargo, mas foi o último de sua vida.

Um comentário:

Mamangava disse...

Eu curti muito!