abril 28, 2009

Who watches the watchmen?

(Ok, post longo. Leia e tenha seu saco enchido ao próprio risco. Ah, e contêm alguns spoilers!)


Who watches the watchmen?

A frase acima é a tradução em inglês da original latina "Quis custodiet ipsos custodes?". Significa "quem guardará os guardiões?", ou "quem vigiará os vigilantes?".

Ela aparece quando o poeta romano Juvenal escreve sobre a obra República, de Platão, onde o mesmo descreve uma sociedade perfeita, gerada por trabalhadores, escravos e comerciantes. Cada um desses niveis é protegido pela classe superior dos guardiões, responsáveis pela segurança de todos. E quando a pergunta acima surge, Platão responde que os guardiões vigiarão a si próprios. Desta forma, uma nobre mentira é criada pelo resto da sociedade protegida: a mentira que diz que os vigilantes são de fato superiores do que aos que servem, e portanto é de sua responsabilidade guardar e proteger os inferiores e a si mesmos. É a mentira que os levará a assim agir não por fama ou privilégio, mas porque eles acreditarão que isso é o certo e justo, abnegando o desejo próprio de poder. Seria instigado aos guardiões um desgosto por poder ou privilégio; iriam nos proteger porque eles achariam ser correto, não por que eles desejam. Porque acreditarão afinal, que isso é o dever de seres melhores.

Isso basicamente resume, numa análise rasteira, toda a fábula moderna da história em quadrinhos e o mito do super-herói. Do guardião benevolente, melhor do que os humanos normais não só em seus poderes, mas em sua moral, cheia de bons exemplos.
E a graphic novel Watchmen, do inglês Alan Moore, veio para subverter esse gênero, levando às indagações acima e expondo a mentira pelo que ela é, por mais nobre que ela pareça.

Moore pode não ser influente como Platão, mas sua obra trabalha de forma primorosa com a questão de onde o poder absoluto deve residir. Na nossa democracia, por exemplo, esse é um dos motivos pelos quais temos a estrutura dividida em três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário. Cada um vigia o outro, e os três vigiam a nós. Mas quem vigia os vigilantes? Os temas de Watchmen são inegavelmente atuais e pungentes numa época de crise global e moralidade duvidosa.

A trama da graphic novel começa no ano de 1985, com um assassinato. O vigilante aposentado conhecido como Comediante é arremessado à morte da janela de seu apartamento. Mascarados combatendo o crime existem desde 1940, mas numa jogada bem copiada pelo desenho 'Os Incríveis', o vigilantismo é ilegal desde 1977 (a lei Keene, implantada em resposta à greve da polícia e a revolta da população contra os vigilantes que agiam acima da lei). Nós acompanhamos os passos de Rorschach, o único vigilante ainda ativo, seguindo a sua investigação sobre o homicídio do Comediante, e assim somos apresentados ao universo da história.

A Guerra Fria está num estado de pausa tensa, o equilibrio no fio da navalha, devido os EUA terem o único herói do planeta dotado de superpoderes, o Doutor Manhattan, e em vias de declarar uma guerra nuclear contra a União Soviética. Rorschach segue o que aparentam serem pistas que o levam a um assassino de ex-heróis, mas a conspiração por trás do assassinato do velho Comediante pode ser muito maior, talvez envolvendo as próprias superpotências, o enigmático Doutor Manhattan e os mascarados aposentados.

A subversão de Watchmen ao tema dos super-herois é que ela os retrata como indivíduos verossímeis, que enfrentam problemas éticos e psicológicos, lutando contra neuroses e inseguranças. Ela também procuranda evitar os arquétipos e super-poderes tipicamente encontrados nas figuras tradicionais do gênero. Apesar dos heróis de Watchmen serem inicialmente inspirados em personagens da Charlton Comics, vale dizer que Moore tomou emprestado elementos de vários outros quadrinhos, além de criar grande parte dos detalhes. Isto, combinado com sua adaptação inovadora de técnicas cinematográficas, o uso freqüente de simbolismo, diálogos em camadas e metaficção, influenciaram tanto o mundo do cinema quanto dos quadrinhos.

A importância da história é maior do que se possa imaginar. A série foi premiada com vários Prêmios Kirby e Eisner, além de uma honraria especial no tradicional Prémio Hugo, voltado à literatura: é até o momento a única graphic novel a conseguir tal feito. Watchmen também é a única história em quadrinhos presente na lista dos 100 melhores romances eleitos pela revista Time desde 1923.

Leia, se puder. Se não conseguir, assista o filme - que prima por ser uma adaptação fiel, embora com as inevitáveis (porém pequenas) alterações. Preferencialmente, faça os dois. Só não deixe de questionar. Quis custodiet ipsos custodes? Esse texto, antes de ser sobre a graphic novel, o filme, ou sobre Alan Moore, é sobre a genialidade dos mesmos pela confecção da pergunta, usando uma midia preconceituosamente dita como "para crianças". Um gibi sobre os guardiões do mundo e seu lugar no mesmo. Sobre politica e filosofia, e contra o conformismo.

Who watches the Watchmen?

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